Design Thinking: estudo de caso de aplicativo móvel

O Design Thinking vem se transformando numa ferramenta fundamental para a INOVAÇÃO em várias atividades, em especial em ambientes criativos como o Software, o Design e a Engenharia em geral. No estudo de caso abaixo, que se refere a um projeto pioneiro, apresentamos o processo de design thinking conforme é visto numa das disciplinas no curso de pós-graduação da Unisul Virtual, “Design de Produto na Era Digital”. O texto é parte do livro de minha autoria, “Design Thinking e Modelagem”, 2016, UnisulVirtual, que se baseia em um processo de Problema/Valor/Ideação/Modelo/Protótipo/Solução, conforme veremos a seguir.


 


Aproximadamente entre 2005 e 2006, quando começaram a evoluir e expandir rapidamente em todo o mundo os sistemas de comércio eletrônico, via internet, também teve início a criação dos primeiros aplicativos de compra por meio de celulares. Esses aplicativos seriam embarcados nos celulares, permitindo aos usuários buscarem os produtos desejados e comprarem diretamente pelo celular. Naquele período a maior rede de supermercados de Santa Catarina, Angeloni, nos procurou para desenvolver um aplicativo de compra que pudesse ser utilizado exclusivamente pelos clientes que fossem associados ao seu clube de fidelidade, Clube Angeloni. Clientes associados ao Clube já faziam compras usando a internet convencional, mas o celular seria uma inovação importante.


 


Os associados ao Clube recebiam periodicamente um encarte com todos os produtos disponíveis para compra via internet, e esse encarte trazia os produtos com alguns detalhes e também com o código numérico de cada produto. Isso era uma maneira de facilitar a compra, pois o cliente poderia escolher no encarte, pensar o seu carrinho de compras (como as pessoas normalmente fazem antes de ir ao mercado) e então criar seu carrinho online e efetuar a compra. Como o cliente já era cadastrado no Clube, endereço e outros detalhes do contato já estavam resolvidos.


 


Para o aplicativo no celular a ideia do Angeloni era utilizar também um código de barras para facilitar a captura dos códigos dos produtos, ou seja, com a câmera fotográfica do celular o usuário poderia capturar o número do produto por meio de um código de barras impresso no encarte, junto a cada produto. Esse requisito surgiu visando agilizar o processo de compra, para que o usuário não precisasse digitar o número. No entanto problemas técnicos das câmeras dos celulares daquela época (~2005) não permitiam que se fotografasse o código EAN (barras pretas que variam na largura, presentes nos produtos), então a opção era de usar um código de barras coloridos (esse módulo foi desenvolvido pela empresa UDAR).


 


Outro requisito importante era de permitir ao usuários de consultasse outras informações do supermercado, como promoções, notícias e também seu extrato de pontos de fidelidade, o que permitiria trocar pontos por produtos. E isso também diretamente no aplicativo do celular.


 


Aplicativos de compra em celulares eram raros naquela época, e precisamos então inventar um modelo, sendo que o processo de design thinking seria essencial para o nosso sucesso. E isso seria uma grande inovação para o supermercado em seu ambiente de negócios.


 


Qual o problema? Qual o “valor”?
O problema proposto foi o do desenvolvimento de um aplicativo de compra para celulares, vinculado ao clube de fidelidade da empresa de supermercados, sendo que o aplicativo deveria ser fácil de instalar, fácil de usar, ágil, integrado ao banco de dados do clube de fidelidade e ao banco de dados do sistema de cartões de crédito para viabilizar a compra. Por esse motivo o aplicativo deveria ter ferramentas de segurança. Para facilidade de uso pelo usuário, o aplicativo também deveria permitir a coleta de dados por meio de leitura de código de barras coloridas com o auxílio da câmera do próprio celular. Todos esses requisitos reunidos criaram um problema de razoável complexidade, especialmente devido à capacidade ainda limitada de processamento de dados dos celulares, bem como pela enorme e diferente gama de celulares do mercado, o que exigia um aplicativo capaz de se configurar automaticamente às capacidades e características de cada aparelho. Esse tipo de aplicativo é uma solução também denominada de “m-commerce”.
• Valor: aplicativo móvel de compra de produtos de um supermercado, fácil de instalar e de usar, capaz de concluir o pedido com segurança para o usuário no momento de inserir seu cartão de crédito.


 


Ideação


O momento da ideação foi de muita empolgação, pois se tratava de algo inteiramente novo no ambiente de compras, pois o celular ainda era um equipamento relativamente básico por volta de 2005. Ou seja, um grande desafio. Sessões de trocas de ideia interna e também com o cliente começaram a gerar várias opções de trabalho.


Um ponto de partida importante foi o desenho de uma visão clara e simples do que se queria obter. Isso foi transcrito num conjunto de rascunhos, dos quais destaco dois para demonstrar os caminhos definidos pelo design thinking nessa etapa. O primeiro, na figura 1, apresenta um diagrama básico com as funcionalidades que a solução deveria ter, do ponto de vista do usuário do aplicativo. Essas funcionalidades deveriam ser posteriormente desdobradas em um grande conjunto de algoritmos e interfaces. O segundo, na figura 2, apresenta como o solução seria “vista” pelo lado do sistema interno do supermercado. Desse lado do negócio os problemas técnicos são bem maiores, pois está relacionado a acesso a bancos de dados, segurança, tempo de processamento, consultas a estoques e vários outros problemas. No entanto boa parte desses problemas já eram corriqueiros pois o sistema de compra via web (internet) já fazia uso desses recursos, então a solução compartilharia tais atividades. Isso foi importante no processo da ideação, pois conseguimos destacar melhor quais as necessidades de novos desenvolvimentos, e quais as atividades já resolvidas.


 



Figura 1 – Visão do aplicativo em relação a funcionalidades – lado “usuário”.


 



Figura 2 – Visão do aplicativo – lado “sistema”.


 


Partindo então para os novos desenvolvimentos, necessários para a solução, passamos a aprofundar a análise do desenho da figura 1, na direção de um modelo detalhado dos recursos do aplicativo e de seu fluxo de trabalho. Isso considerando a perspectiva do cliente final, o usuário que faria a compra dos produtos. Inventamos então um novo modelo de representação, que mesclou as funcionalidades de cada tela (menu de usuário) com o fluxo de atividades do software, ou seja, um modelo de interfaces e funcional do aplicativo. Num mesmo desenho tentamos criar a visão geral de todas as ações possíveis do aplicativo, e todas os caminhos possíveis de serem percorridos pelo usuário. Essa visão geral, cujo desenho original é o da figura 3, seria o ponto de partida para criarmos o primeiro protótipo do produto, criarmos o piloto e também realizarmos os testes.


 



Figura 3 – Modelo de interface e funcional do aplicativo de m-commerce.


 


Modelo / Protótipo / Piloto


O principal modelo criado é o da figura 3, que reúne a ideia das interfaces em conjunto com a estrutura funcional do aplicativo. Nesse modelo foi preciso contemplar uma série de requisitos específicos do supermercado. Vemos que logo após a validação de dados há algumas opções de telas de retorno, pois tanto o cliente pode estar continuando uma compra, ou seja, está com um carrinho aberto no sistema, como também pode estar com dados não atualizados, e isso será importante na etapa final para concretizar a compra e realizar a logística de entrega. Conforme a validação é feita há um conjunto de opções internas ao aplicativo, que direciona então à interface com o menu de compras. Nesse menu o usuário pode a qualquer momento ver seu carrinho, pode incluir novos itens, ou pode simplesmente cancelar e literalmente “ir embora”.


Se o usuário opta por incluir um item, automaticamente o aplicativo deve verificar se há no aparelho celular uma câmera compatível para a leitura do código de barras coloridos. Se não há câmera, então a interface apresentada é diretamente a de introdução dos números do código do produto. Se há câmera, então abre a interface de captura, e os dados do produto são introduzidos e o item incluído na compra. Esse processo continua até o carrinho estar completo conforme as necessidades do usuário, que pode emitir então o pedido e fechar a compra, encerrando com a forma de pagamento e o local para entrega.


Um passo importante do processo é o código colorido. Para que ele seja útil é necessário que o cliente do clube de fidelidade tenha o encarte com os produtos do supermercado, com os códigos impressos. Isso fará parte da solução final, pois essa solução compreende não apenas o aplicativo como também o encarte com os códigos de barras, com explicações de uso e de instalação, e também a preparação das equipes internas de atendimento do Clube de Fidelidade para darem o apoio ao cliente do supermercado.


Partindo do modelo construímos os primeiros protótipos do aplicativo e finalmente um piloto, que foi testado pelas equipes de tecnologia do supermercado e por usuários especiais (clientes de teste).


 


Solução


A solução final e que foi colocada comercialmente em uso compreendeu uma plataforma: aplicativo móvel, bancos de dados, impressos e treinamento. O aplicativo lançado teve uma página explicativa e que fez parte do encarte do Clube de Fidelidade (ver figura 4). Nessa ilustração vemos o passo a passo de uso do aplicativo, e podemos reparar suas semelhanças com o modelo inicial, figura 3. Percebe-se também que o sistema de compras permitiu incluir compras na rede de farmácias do Clube de Fidelidade. A gráfica do supermercado preparou esse encarte, que também traz explicações sobre a instalação do aplicativo, pois naquela época (2006/2007) ainda não existia o sistema de lojas de aplicativos como os do Android e da Apple.


 



Figura 4 – Explicativo do passo a passo de uso do aplicativo.


 



Figura 5 – Explicativo da instalação do aplicativo.


O aplicativo no celular avançou em qualidade e uma versão para iPhone foi desenvolvida, como vemos na figura 6. As interfaces foram melhoradas, porém a base estrutural e de funcionalidades do software manteve-se. O sistema de código de cores é o que está ilustrado na figura 7, também parte do encarte gráfico distribuído aos membros do Clube de Fidelidade.


Parte do processo do design thinking, visando contemplar o “valor” desejado pelo cliente, era o de vincular a marca do supermercado à imagem de inovação. Isso foi amplamente conquistado com repercussão nacional do produto e de seu processo inovador. Muito do que foi pensado, planejado e proposto no processo criativo da ideação acabou por ser reconhecido, como vemos nas reportagens de revista e jornal da figura 8.


 


  
Figura 6 – Interfaces do produto final.


 



Figura 7 – Seção de “carnes” do encarte, com produtos e seus códigos de barras coloridas.


 


 
Figura 8 – Inovação: repercussões na mídia nacional.


 


Mais informações sobre este artigo, sobre o livro-base e sobre a metodologia empregada, entre em contato com o autor em mauro.faccioni@unisul.br ou diretamente em http://www.unisul.br/wps/portal/home/ensino/especializacao-e-mba/design-de-produto-na-era-digital-a-distancia/?unidade=23.



Colunista

Mauro Faccioni Filho

O Prof. Mauro Faccioni Filho, Dr.Eng.,  é colunista na ABRAWEB, e há mais de 10 anos é Coordenador dos cursos, na Unisul Virtual, de Sistemas para Internet (Graduação); Datacenter: Projeto, Operação e Serviços (Pós Graduação) e Design de Produto na Era Digital (Pós Graduação).  É consultor em tecnologia e líder do Grupo de Pesquisa em Sistemas Complexos - SISPLEX - na Unisul.



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